mardi 4 septembre 2007

"Sentimento do mundo" de Carlos Drummond de Andrade

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.

Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildamente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a brarraca
e não foram encontrados
ao amanhecer

esse amanhecer
mais noite que a noite.


NB : Ariane Witkowski a traduit ce poème pour le recueil Mort dans l'avion et autres poèmes (chez Chandeigne, 2005).

Aucun commentaire: